Entrevista feita por C. A. Ferrinho, em agosto de 2002, em Franca (SP), durante os Jogos Abertos.
Data de nascimento: 12/11/84, em Fortaleza - CE.
- Quando começou a jogar damas?
Aos 13 anos de idade, mas em competições aos 15 anos. A minha primeira participação foi no I Torneio Interbairros por Equipes, organizado pela Prefeitura de Fortaleza, em 1999. Eu fiz parte da equipe campeã.
- Com quem e onde jogava?
Jogava na rua, no Terminal de Ônibus da Lagoa, na Praça dos Leões. O João da lanchonete também jogava e emprestava os tabuleiros. Sempre se reuniam, na rua, mais de 20 damistas. Eu jogava o dia inteiro. Almoçava correndo e percorria cerca de 4 km de bicicleta até lá. Geralmente começava a jogar às 12 horas e só parava por volta das 20 horas. Na praça existia um tobogã que dava para a lagoa. Os perdedores eram lançados na água. Não havia quem me ganhasse.
- Tinha alguma literatura?
O Prof. Gilson e Paulo César deram-me alguma literatura e me incentivaram bastante.
- Que livros foram esses?
"Lélio 2", um do Genaldo, alguns livros russos como "25 Lições", " Kypc" e um livro de finais de Nigra. Neles eu estudava e aplicava no jogo prático.
- Como foi que o convidaram a dar aulas numa escola de Fortaleza?
Dei aulas na Escola Júlia Jorge do CENAC. O diretor desta escola gostava muito de Damas e jogava com os outros professores. Ele era o melhor. Conheceu-me num torneio escolar. Convidou-me para jogar com ele. Fizemos vinte partidas e eu ganhei todas. Foi assim que passei a dar das aulas de damas em troca de uma bolsa de ensino. Estas aulas despertavam bastante interesse não só dos jovens como de adultos. Chegavam a reunir várias dezenas de alunos. Eu começava por combinações e depois mostrava a Forçada.
- Como começou a participar de competições nacionais.
Em 2000 a escola patrocinou a minha participação no Campeonato Brasileiro para Menores onde fui Campeão. Depois disso, Lélio me convidou para vir para S. Caetano - SP, onde estou sendo patrocinado pela Prefeitura local.
- Alguma alteração no seu modo de jogar?
Sim, eu jogava muito rápido. Estou começando a gastar mais tempo, analisando com mais mais profundidade. Para isso contribui o ter gostado do tabuleiro de 100 casas, que me força a gastar tempo.
- Quais os seus planos no que se refere ao jogo de damas?
Almejo ser Campeão Mundial. Está programada a minha ida para a Holanda para treinar e estudar com Wirsma para participar do próximo Campeonato Mundial em 100 casas.
- Na vida profissional o que pretende?
Formar-me em Engenharia de Informática.
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Entrevista feita por Laércio Gomes da Silva e Ricardo Ferrero durante os Jogos Abertos de 2002, em Franca, SP
Nasceu a 11/6/83, na cidade de Karkov, Ucrânia.
- Você tem um treinador. Como você estuda e se prepara?
Meu treinador é Boiko, Mestre em 64 casas. Ele fez com que eu adorasse o jogo de damas mostrando-me combinações fantásticas e, nas aberturas, o mínimo de variantes. Ele diz que o próprio aluno precisa pesquisar, raciocinar por si só e, neste trabalho, escolher as melhores variantes . Ele incentiva os alunos a ver o tabuleiro globalmente. As aulas são três vezes por semana, com a duração de três horas cada aula. Além disso, passa exercícios, análises, tarefas, pesquisas para fazer como lição de casa.
- Quem paga esse treinador?
O treinador recebe salário do Ministério de Esportes para ensinar de 10 a 15 alunos que variam no decorrer do tempo.
- Quando começou a jogar?
Comecei a jogar quando tinha seis anos de idade. Eu não era o melhor da turma mas o treinador foi melhorando meu jogo e eu, por mim mesmo, dedicando-me, estudando e participando de eventos e torneios com afinco e intensidade, fui melhorando.
Fui campeão no Campeonato Mundial de Cadetes, quando tinha 16 anos. Eu era o quarto colocado no Campeonato de Júniors. Coloquei-me em terceiro no Campeonato da Ucrânia. Consegui o vice em Luganski. Em 2002 fui campeão no Campeonato Nacional da Ucrânia, ou seja, fui primeiro Campeão do Mundo e depois campeão Ucraniano.
- Quais as qualidades que admira nos mestres?
Admiro especialmente Tchizov devido à sua técnica requintada. A cada lance obtém vantagem sólida sobre o jogo adversário. Aprecio também a criatividade de Tzirik e Blinder.
- Qual a fase do jogo a que você mais se dedica ?
Hoje é o meio jogo, depois que estudei intensamente aberturas e finais.Estudo todas as variantes e subvariantes de dada posição em busca da continuação mais sólida, que pode levar-me à vitória.
- Quanto a Chvartzman?
Ele é muito bom em 100 casas mas não em 64. mesmo assim, no último campeonato de 100 casas, Gregoriev ganhou dele e o colocou em terceiro lugar.
- Você joga 64 e 100 casas?
Eu comecei no tabuleiro de 64 e hoje jogo também no de 100 casas.
- Quando pretende vencer o Mundial de 64 casas?
Pretendo estudar as partidas dos mundiais de 64 para ficar mais forte. Quero pesquisar as diferenças entre as regras russas e brasileiras para não cair em armadilhas. Vou estudar o jogo dos futuros oponentes.
- Qual a importância dos finais?
Fiz um curso especial, uma preparação profunda, muito importante para aprender a jogar os finais sem cometer erros, tanto de 64 como de 100.
- O que você está aprendendo com o Marcelo?
Estou treinando com ele para aprender uma porção de variantes brasileiras. Ele tem boa memória e conhece muitas partidas dos campeonatos jogados.
- Existe alguma faculdade de jogo de damas em seu país?
Em Kiev existe uma escola com um departamento de Jogo de Damas e Xadrez.
- O que significa o Jogo de Damas para você?
É a minha vida.
- Quais suas próximas metas como damista?
Ser Campeão Mundial Adulto. Depois ser treinador profissional e viver disso mas não como jogador.
- Que os conselhos daria aos jovens damistas brasileiros?
Estudar centenas de combinações existentes dentro das partidas jogadas nos principais campeonatos do país e do mundo. Procurar estímulo para estudar damas fora do currículo escolar normal.
- Recebeu apoio familiar para interessar-se pelo Jogo de Damas?
No começo gostava do Xadrez devido a meu pai ser enxadrista. Eu queria jogar Xadrez para agradá-lo. Mas o treinador Boiko é muito bom e desenvolveu em mim o gosto, o amor, o interesse, a paixão pelo Jogo de Damas.
- Sua maior alegria no Jogo de Damas?
Não perder com freqüência.
- Sua maior tristeza?
No mês passado, na Crimeia, quando joguei o Campeonato Europeu, precisava apenas empatar para ser campeão mas perdi para Beliskoi, da Rússia. Fazia dois anos que eu não perdia e empatar com ele parecia ser muito fácil. Acreditei que poderia jogar com a mão esquerda, que não seria muito difícil ganhar, mas perdi.
- Que lição tirou desse campeonato?
Que o Jogo de Damas exige extrema concentração, paciência, calma e muita seriedade diante de qualquer adversário. É preciso raciocinar muito em qualquer variante para não errar uma única jogada. Assim se fazem os campeões.
- O treinador lhe ensinou como se concentrar?
Recomendou leituras e deu algumas dicas de comportamento, mas é você que deve ter profundo auto conhecimento e aprender a concentrar-se, abstraindo-se de tudo para pensar melhor no tabuleiro. Mas os árbitros e os organizadores têm um papel preponderante para que se consiga uma maior concentração quando zelam para que o silêncio reine no ambiente de jogo de forma absoluta .
- Na Ucrânia joga-se apostado?
Joga-se mas sem haver um lugar especial para isso.
- Porque as pessoas de todas as idades e condições devem jogar damas?
Porque o Jogo de Damas é muito bom para o raciocínio lógico das pessoas. É importante para as pessoas, da criança ao idoso, pensar ordenadamente. Infelizmente, nem todas as pessoas se dedicam ao Jogo de Damas o que seria importante tanto para a vida profissional e familiar de cada um.
- O que pretende estudar na faculdade?
Engenharia de Computação e viver do Jogo de Damas, o que infelizmente é muito difícil porque não existe muito profissionalismo. Creio que num futuro bem próximo os mestres poderão viver de Jogo de Damas sem pensar noutra profissão. Melhoraram os prêmios nos Mundiais e outros campeonatos e maior número de países estão participando.
- O que o Jogo de Damas pode aprender com o Xadrez?
Precisamos alcançar o Xadrez, que fala a mesma língua no mundo todo, no que se refere á unificação das regras em 64 casas. No tabuleiro de 100 casas essa unificação de regras já foi feita.
Marcelo concentrando-se para iniciar sua partida |
Iuri (à esquerda) dando entrevista para Ricardo Ferrero (ao centro) e Laércio G. da Silva (à direita) |
Vitor, Humberto, Marcelo e Iuri |
Iuri em ação nos Jogos Abertos de 2002. |
Estamos, sem dúvidas, diante de dois jovens talentos: Marcelo e Iuri. A formação e o desempenho deles, no entanto, convidam-nos a reflexões comparativas.
Marcelo, como se pode depreender de sua entrevista, teve como fator principal na sua escola de Jogo de Damas a prática, a intensidade de partidas jogadas, onde a teoria participou tardiamente. A profundidade das análises não faria parte do seu desempenho eficientíssimo nas partidas de pouca duração.
Iuri teve como orientador um Mestre que o colocou em contato, desde o início de seu aprendizado, com a teoria existente. Foi convidado a calcular com profundidade e a tomar decisões próprias em consequência dessas análises elaboradas.
Dois conceitos, duas escolas. Marcelo extremamente treinado na partida rápida ou na partida relâmpago, esta hoje denominada de forma snobe por "blitz", de análise curta. Iuri treinado para a partida de análise profunda, preparado para dominar e essência de um jogo de reflexão, de racicínio.
O acima observado encontra confirmação do desempenho dos dois talentos no Campeonato Mundial Juniors de Partidas Relâmpago de 3 minutos, realizado na Ucrânia a 26 de abril de 2002, onde Marcelo obteve o título de Campeão Mundial, vencendo todos os seus adversários. Iuri classificou-se em terceiro. No mesmo Campeonato, mas na versão de 15 minutos, Marcelo repete um feito notável ao classificar-se em segundo lugar.
Já no mesmo IX Campeonato Mundial Juniors, realizado no período de 20 a 26 de abril, onde foi usado o tempo de 1 hora para os primeiros 35 lances mais 15 minutos nocaute, tivemos Iuri como campeão e Marcelo colocado em 13.º lugar entre os 24 participantes.
Este é um importante tema de reflexão para dirigentes, organizadores e responsáveis pelo nosso esporte.
A prática de partidas rápidas hoje usada em grande maioria de competições, sob vários pretextos, mas cujo objetivo predominante é o comercial, nos encaminha para um destino perigoso que é a negação da essência do próprio Jogo de Damas: o raciocínio, a análise profunda e a criação. É a transformação do Jogo de Damas no inconsequente "Jogo da Velha".
Dirk Dagoberto Riemsdick, enxadrista de renome, perguntado sobre esta modalidade de partida responde que ela é o "fast food" do xadrez, a transformação do homem no autómato, o abandono do poder de raciocinar, de criar. Enfim, a robotização dos jogos intelectuais.
A aceitar-se a partida rápida como normal, qual o papel educativo quanto ao raciocínio, planejamento, criação, caberá ao Jogo de Damas?
C. A. Ferrinho